Leonardo Bellini de Castro*
24/03/2023 | 05h00
Após algum fôlego de institucionalismo decorrente de uma atuação eficiente, republicana e incisiva dos órgãos encarregados do enfrentamento da corrupção, os últimos anos foram pautados de substantivo retrocesso no que diz com a referida pauta.
Nessa toada, reformas legislativas, decisões judiciais heterodoxas e uma pauta política alinhada ao revanchismo foram suficientes a destruir toda a estrutura institucional de prevenção, detecção e combate à corrupção.
Como resultado, temos hodiernamente instituições desacreditadas, atores incumbidos da tarefa intimidados e um sem-número de exemplos de que a corrupção vale a pena e que as chances de punição de grandes esquemas de corrupção são mínimas para não dizer inexistentes.
De outra linha, projetos legislativos que poderiam auxiliar na eficiência na minoração dos referidos males atrelados à corrupção foram abandonados ao mesmo tempo em que projetos que impõem dificuldades e obstáculos à já árdua tarefa foram paulatinamente incorporados no ordenamento jurídico.
Nesse contexto, basta relembrar o soterramento dos projetos tais como o que possibilitava a prisão a partir de segunda instância, o que criminalizava de enriquecimento ilícito, entre vários outros, ao passo que aprovados projetos que solaparam a lei de improbidade administrativa, além de terem sido levadas a cabo perversas mudanças na legislação processual penal, sempre com olhos voltados para um garantismo míope e de ocasião.
Chegou-se, assim, ao atual quadro, no qual agentes condenados a centenas de anos de prisão se encontram livres e desembaraçados a partir de anulações recorrentes e variadas de processos penais complexos, ao mesmo tempo em que agentes incumbidos da persecução respondem ou foram punidos no bojo de processos administrativos que os colocam em uma berlinda funcional.
Como consectário, há de se admitir que vige atualmente uma espécie de advertência difusa para que agentes públicos não se aventurem a atuar na persecução da corrupção com destemor e altivez, pois pairam no ar os riscos à própria carreira e estabilidade financeira daí derivada e, bem assim, sobeja a constatação de que todos os esforços ao fim e ao cabo serão vãos e inúteis.
Não surpreende, pois, que sumiram completamente do noticiário todas e quaisquer notícias relacionadas com a desarticulação de grandes, médios ou diminutos esquemas de corrupção, não evidentemente porque já escassearam tais atividades ilícitas, mas sim porque é notório o arrefecimento institucional no enfretamento desse mal.
Convergindo com tal desastroso cenário, tem se tornado lugar comum a nomeação de parentes de agentes políticos para Tribunais de Contas, a nomeação de pessoas comprometidas com infrações éticas para importantes Ministérios e, bem assim, a proclamação de que a nomeação de agentes para a chefia do Ministério Público ou Tribunais Superiores será pautada mais por critérios de afinidade política de que propriamente por isenção e preparo técnico.
Lamentavelmente, pois, a solene proclamação do imemorial Rui Barbosa voltou a ter inegável atualidade quando advertiu que o triunfo recorrente das maldades alimentava a frustração com a virtude e a negação da honestidade, alimentando-se aquele ciclo vicioso que sempre tão bem nos caracterizou, no qual a única palavra de ordem é a "vantagem" individual e o único método é o "jeitinho" brasileiro.
E a mesma e precisa advertência foi feita por Ayn Rand quando pontuou que qualquer sociedade estará fatalmente condenada quando a corrupção for recompensada e a honestidade se tornar um auto sacrifício, ponto para qual infelizmente parece que convergimos na atualidade.
Não há dúvidas, portanto, que o País se encontra em um grave cenário de deterioração institucional que, uma vez não revertido e debelado, poderá trazer graves e inadvertidas consequências para o desenvolvimento nacional, para a coesão social e para a profusão de uma pauta mínima de moralidade pública.
O fato é que um governo de leis, pautado somente pela Constituição Federal a ser aplicada de forma rigorosamente impessoal, reclama que sejam abandonados os voluntarismos pessoais e as vaidades, não podendo a amizade com o Rei, independentemente da indumentária que o adorne, sobrepujar a ordem jurídica.
De outra banda, para ser justa, a ordem jurídica precisa ser reconhecida por seu caráter eminentemente objetivo, não podendo variar conforme o sabor dos ventos político de ocasião e consoante as pretensões subjetivas de seus aplicadores. É forçoso concluir, nessa linha, que sem a estrita observância dos marcos normativos não tão cedo veremos uma luz no fim do túnel.
Urge, pois, que a sociedade se reorganize, que a imprensa retome o seu papel vigilante e que as instituições se realinhem em seus papéis constitucionais, abandonando uma pretensão de supremacia que somente pode ser tributada à própria ordem jurídica.
Perdidos, pois, no espaço e no tempo, é hora de consultarmos a bússola constitucional, único artefato capaz de nos colocar novamente nos trilhos da estabilidade, segurança e desenvolvimento.
*Leonardo Bellini de Castro é promotor de Justiça - MPSP e mestre em Direito pela USP
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção
Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica
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