Enquanto nascia o Estatuto de Roma e o Tribunal Penal Internacional em 1998, construía-se, com nossa assinatura, importante capítulo da história da civilização no enfrentamento aos crimes contra a humanidade. Especialistas em Direito Internacional consideram que uma das maiores conquistas civilizacionais, que ali se estabeleceu, foi a consolidação da figura do Ministério Público investigativo independente em matéria penal.
Argumento utilizado fortemente como fundamento para a rejeição da PEC 37, ocorrida em 2013, que propôs monopólio da investigação criminal à Polícia deixando de fora o MP. Era inconcebível comprometer-se perante o mundo com um modelo de Ministério Público que investiga e adota internamente modelo antagônico.
O STF já afirmou e reafirmou que o MP tem poder de investigação criminal, até porque, nos termos do artigo 127 da Carta, que acaba de completar 32 anos, é o titular exclusivo da ação penal pública. Isto equivale a dizermos que o Estado brasileiro incumbiu o Ministério Público de ser o único braço que impulsiona a ação penal e promove a punição dos criminosos.
Neste contexto, fica mais fácil compreender a inserção no Código de Processo Penal de princípios inerentes à ação penal pública (APP), sendo o da indesistibilidade talvez um dos mais importantes.
Não obstante tenhamos as figuras da transação penal, da suspensão condicional do processo e do novíssimo acordo de não persecução penal, que indiscutivelmente relativizaram o princípio da indisponibilidade da APP, isto não nos autoriza dizer que agora se pode desistir de ações penais públicas propostas, que pressupõem indícios de autoria e elementos sugestivos da materialidade do crime, além da viabilidade concreta da ação.
O MP, após a investigação ou mesmo que não tenha ocorrido investigação se o crime for evidenciado por prova documental, avalia os elementos colhidos e se convence da potencial responsabilidade do indivíduo ou indivíduos, elabora a peça acusatória, submetendo-a à apreciação do Poder Judiciário.
Se o juiz recebe a denúncia, significa que se detectou admissibilidade da acusação e o denunciado assume a nova condição de acusado ou réu e, assegurada a ampla defesa, mediante o devido processo legal, apresentará seus argumentos e as provas serão produzidas para, ao final, depois de analisadas pelo MP e advogado de defesa, o juiz decidir de condena ou absolve.
Depois de oferecida a denúncia, em hipótese que não caiba qualquer espécie de acordo penal, é incogitável retroceder. O processo evolui progressivamente, e não, de forma regressiva.
Eis que há quatro meses a PGR denunciou criminalmente por corrupção passiva o Deputado Federal Arthur Lira, por ter recebido um milhão e seiscentos mil reais de propina de uma construtora pelo apoio de seu partido, o PP, do chamado “Centrão”. É o bloco político ao qual pertencem vários políticos processados por corrupção, que o presidente da República fez acordo, mesmo tendo jurado em campanha que jamais se aliaria.
Ou seja, as evidências incriminavam o parlamentar e ele foi devidamente acusado pela PGR, cujo titular Aras foi nomeado pelo presidente sem respeito à lista tríplice sugerida pela ANPR.
Quatro meses após ser apresentada e protocolizada, a própria subscritora da peça acusatória vem ao processo negar os fatos que afirmou, desdizendo-se e recuando, antes mesmo da decisão sobre o recebimento após a defesa preliminar do advogado, e isto acontece, com certeza por mera coincidência, no exato momento em que o parlamentar enfatiza o desejo de disputar a presidência da Câmara para suceder Rodrigo Maia. Do ponto de vista técnico e jurídico, não é plausível que se recue em relação à denúncia oferecida, nos termos expressos do artigo 42 do Código de Processo Penal.
Não é aceitável que acordos palacianos associados à sede de poder de ocupar a cadeira de presidente da Câmara dos Deputados premiem a impunidade e enfraqueçam o exercício constitucional das funções do MP, sob pena de violação do princípio maior da Carta – da supremacia do interesse público.
Roberto Livianu, procurador de Justiça em São Paulo, doutor em Direito Penal pela USP, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção.
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