ANDRÉA CRISTINA OLIVEIRA GOZETTO* 26 SETEMBRO 2023 | 4min de leitura
A regulamentação do lobby é uma excelente ferramenta para garantir maior transparência e accountability ao processo decisório estatal. De forma geral, regulamenta-se essa atividade – definida como defesa de interesses junto a membros do poder público que podem tomar decisões acerca de políticas públicas –, para tornar pública a relação entre profissionais de relações institucionais e governamentais (RIG) e tomadores de decisão, definindo padrões de interação através da instituição de um órgão administrativo para credenciamentos e registros de audiências. Sendo assim, a grande vantagem da regulamentação do lobby é o fomento à publicidade, o que torna o processo decisório possível de ser escrutinado detalhadamente e aumenta o conhecimento dos atores sociais sobre a forma como o sistema político e seus atores se relacionam.
Em discussão há mais de 30 anos, esse tema tomou fôlego no Brasil no final de 2022 quando foi aprovado pela Câmara dos Deputados o projeto de lei 1202/07, de autoria do Deputado Federal Carlos Zarattini. Enviado ao Senado Federal, recebeu o número 2914/22 e está sendo relatado pelo Senador Izalci Lucas no bojo da Comissão de Fiscalização e Controle (CTFC). Tal comissão já realizou duas audiências públicas. Na audiência pública realizada em 16 de agosto de 2023, fiz uma contribuição como especialista e apontei um ponto sensível que, se aprimorado, poderá aumentar o potencial de transparência e accountability dessa política pública.
Refiro-me ao credenciamento dos profissionais de representação de interesses. De acordo com o artigo 12 do projeto de lei “Em condições isonômicas às oferecidas a outros profissionais do setor privado, haverá credenciamento de representantes profissionais de interesse perante os órgãos e as entidades do poder público, observados prazos e critérios objetivos, mediante solicitação dos interessados”. Se o projeto de lei for aprovado com essa redação, serão criados milhares de bancos de dados, haja vista que essa política pública abrange os três poderes em suas três esferas de competência. Essa multiplicidade de bancos de dados, sem integração, impedirá o escrutínio público, limitando, sobremaneira, seu potencial.
Uma emenda ao projeto, proposta pelo Senador Alessandro Vieira traz uma solução que pode mitigar parcialmente o problema. Essa emenda sugere que seja criado, além do credenciamento, um cadastro dos profissionais de RIG. Sugere também que esse cadastro, diferentemente do credenciamento proposto, seja feito a partir de um sistema centralizado, em formato de dados abertos e que poderá ser acessado de forma rápida e fácil pelos cidadãos e pelos watch dogs.
A emenda sugere a criação de uma Agenda Nacional Eletrônica, que concentraria os dados pessoais e profissionais dos representantes de interesse, independentemente de lhes ser conferido um credenciamento para participar de audiências e/ou ingresso nas dependências físicas do órgão ou instituição.
Com a Agenda Nacional Eletrônica, garante-se que os dados sejam organizados em uma mesma estrutura, podendo ser facilmente atualizados por qualquer órgão e consultados em um único lugar. Assim, confere-se acessibilidade e transparência às informações de representantes de interesse de forma efetiva a toda sociedade, tornando conhecidos os grupos de interesse presentes quando da tomada de decisão política ou da elaboração de uma lei.
O Portal Nacional de Contratações de Compras Públicas pode ser fonte de inspiração para a instituição da Agenda Nacional Eletrônica. Criado pela nova lei de Licitações, constitui-se em um sistema centralizado de informações e que possui, inclusive, um Comitê Gestor próprio. Essa inovação na governança de dados já se mostrou possível e poderia ser replicada para a regulamentação do lobby.
Outra importante fonte de inspiração é o sistema de agendas eletrônicas da CGU (e-Agendas) que poderia ter seu código adaptado para a criação da Agenda Nacional Eletrônica.
O ponto sensível levantado por mim e materializado pela emenda do Senador Alessandro Vieira não passou despercebido. Em entrevista ao programa Argumento da TV Senado, o Senador Izalci Lucas, afirmou que, apesar de não pretender realizar mudanças substanciais ao texto enviado pela Câmara dos Deputados, pretende aprimorar algumas questões, principalmente no que diz respeito a criação de um cadastro nacional dos representantes de interesses e de uma plataforma única de acompanhamento. Afirmou também que pretende oferecer seu parecer até 15 de setembro de 2023 e que, mesmo com o retorno do texto à Câmara dos Deputados, espera que a sanção do projeto de lei ocorra ainda em 2023.
Diante das pautas complexas e polêmicas que tomam conta da agenda do Congresso Nacional, há de se duvidar de tamanho otimismo.
Porém, espera-se que o legislador leve em consideração o real objetivo da regulamentação do lobby e realize as alterações necessárias para que se aumente de forma substancial o nível de transparência e accountability do processo decisório estatal.
*Andréa Cristina Oliveira Gozetto é cientista política, doutora pela Unicamp. Coordenadora do MBA em Relações Governamentais e do curso de curta duração “Advocacy e Políticas Públicas” da FGV/IDE. Coordenadora do GT Transparência e Integridade da Rede Advocacy Colaborativo (RAC). Diretora executiva da Gozetto & Associados Consultoria Estratégica
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção. Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica
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