Roberto Livianu e Lucieni Pereira*
24 de novembro de 2022 | 05h00
Em maio deste ano, o Deputado Fábio Trad apresentou o PLP 79/22, para estabelecer normas gerais de fiscalização financeira da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A fiscalização financeira objeto da regulamentação presente abrange o autocontrole, o controle interno, o controle externo, o sistema nacional de auditoria do SUS e o controle social.
A proposta também dispõe sobre a regulamentação da simetria referente à organização, à composição e à fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais Contas dos Municípios, estes últimos onde houver, com amparo nos artigos 75 e 163, inciso V, da Constituição Federal.
Na sequência, o Deputado Israel Batista, designado relator, apresentou relatório pela aprovação da saudável proposta, com algumas emendas visando ao aperfeiçoamento dela, especialmente no sentido de racionalizar e reduzir custos dos entes da Federação com manutenção de portais de transparência e para prever garantias especiais previstas no art. 247 da Constituição Federal aos ocupantes de cargos cujas atribuições consistem em realizar atividades exclusivas de Estado de fiscalização e controle.
Criam-se demonstrativos eletrônicos para o controle público e social dos cargos em comissão, de contratação temporária, terceirizações e as despesas indenizatórias, tais como diárias e passagens, ajuda de custo, capacitação. Confere-se maior transparência sobre a distribuição e lotação dos cargos efetivos, de acordo com a natureza e complexidade, de forma a possibilitar a comparabilidade e a avaliação qualitativa da eficiência alocativa, exigência que entrou no texto constitucional para enfrentar a pandemia.
Hoje, falta eficiência e sobra assimetria metodológica, que o projeto pretende corrigir, trazendo simplificação de linguagem fiscalizatória, economia de despesas públicas e inteligência no combate à corrupção já que hoje se tem um mar de dificuldades para depois serem “vendidas as facilidades”.
Para racionalizar as operações, o projeto prevê a interoperabilidade entre os sistemas centralizados mantidos pela União com o sistema integrado único de administração financeira dos entes subnacionais (SIAFIC). A medida facilitará a declaração de dados pelos gestores estaduais e municipais, que poderão, automaticamente, exportar os dados dos seus sistemas e atualizar os sistemas nacionais, sem precisar da alocação de um enorme contingente para essa função, com maior precisão e rapidez.
Os portais mantidos pela União também passarão a contar com comitês técnicos – integrados por especialistas de diversos setores – e também um comitê de controle social com a finalidade de assegurar o acompanhamento direto, pela sociedade civil, do funcionamento dos sistemas de monitoramento e avaliação de importantes políticas públicas (saúde, educação, previdência, gestão fiscal) e do portal nacional dos Tribunais de Contas, além de propor formas simplificadas de divulgação das informações para acesso público e compreensão do cidadão.
Para garantir a operação dos sistemas, os órgãos centralizados da União devem definir padrões mínimos para detalhamento das informações, essenciais para viabilizar a comparabilidade e a rastreabilidade elevados à condição constitucional. A novidade em relação à situação atual é a desejável padronização dos indicadores de identificação orçamentária da despesa, essencial para a realização dos cálculos automáticos dos mínimos de educação e saúde, a exemplo do que a União já adota (ID-USO 06 para saúde e 08 para educação).
Ainda no campo do autocontrole, a proposta enaltece a importância de aprimorar a estruturação do Sistema Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (SNA/SUS). As cobranças do TCU para o Poder Executivo organizar o DENASUS remontam ao ano de 1993, ocasião em que o então Ministro, Carlos Átila, declarou que, “mesmo que o sistema de auditoria custasse o dobro do que custa o TCU, com todas as suas Secretarias Regionais e 2 mil servidores, ainda assim o controle exercido pela Auditoria proporcionaria economia superior a seu custo de operação” (Decisão 576/1993-TCU-Plenário).
Para racionalizar as ações de controle, o plano de fiscalização anual e o resultado final das auditorias realizadas pelo DENASUS e órgãos correspondentes nas demais esferas serão registrados e plataforma digital, à qual será dado acesso aos órgãos de controle interno e externo e ao Ministério Público com competência para atuar no âmbito de cada ente da Federação, observada a origem do recurso objeto da fiscalização, conforme disposto no art. 27 da Lei Complementar nº 141, de 2012. Dentre as inúmeras vantagens, a medida evita que os gestores recebam diversos órgãos de fiscalização ao mesmo tempo, racionalizando custos e tempo de atividade.
No âmbito do controle, iniciativa importante consiste na fixação de Além de prazo de 90 dias para o Congresso Nacional julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República, a proposta estabelece normas gerais referentes à relação Congresso Nacional e TCU para a fiscalização de obras paralisadas. O tema, que é típico de fiscalização financeira, sujeita a normas gerais fixadas por lei complementar, vem sendo tratado nas leis de diretrizes orçamentárias de forma precária.
Sobressai a seção referente à transparência da gestão dos Tribunais de Contas. Pela proposta, a União deverá instituir e manter portal nacional de transparência e visibilidade dos Tribunais de Contas e dos Ministérios Públicos de Contas para registro não apenas das despesas dos referidos órgãos, mas igualmente também das reclamações disciplinares às respectivas Corregedorias e dos relatórios e decisões e processos de controle externo.
Para manutenção do Portal dos Tribunais de Contas, é prevista a criação de um Fundo Especial para desenvolvimento e manutenção do portal nacional, cuja articulação será realizada por um Conselho Deliberativo presidido pelo Tribunal de Contas da União, com a participação dos Presidentes de todos os Tribunais estaduais e municipais, comitês técnicos e um comitê de controle social para apresentar propostas voltadas para simplificação e inteligibilidade das informações, além de ampliação da transparência ativa.
Na qualidade de signatário do Pacto dos Governos Abertos, cabe ao Brasil ser exemplar perante o mundo em matéria de transparência e, ao mesmo tempo, precisamos sempre fazer valer a prevalência constitucional do interesse público. O PLP 79/22 é proposição fundamental nesta direção.
*Roberto Livianu, procurador de Justiça, vice-presidente do MPD, doutor em Direito pela USP, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas
*Lucieni Pereira, auditora de controle externo, vice-presidente para assuntos do TCU na Associação Nacional dos Auditores do Controle Externo – ANTC e diretora da Confederação Nacional dos Servidores Públicos – CNSP
Este texto reflete a opinião do(a) autor(a)
Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Acesse aqui todos os artigos, que têm publicação periódica
Comentarios