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Ou você pula da ponte ou eu jogo você

Foto do escritor: Instituto Não Aceito CorrupçãoInstituto Não Aceito Corrupção

Repetição sugere descontrole por parte da cúpula da segurança em relação à violência policial

 

22.jan.2025 às 23h26

 

Procurador de Justiça e doutor em direito pela USP, é idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

 

Um PM flagrado em tiro à queima-roupa em jovem de 24 anos, no Natal, ao gravar abordagem abusiva no Jardim d'Abril, na zona oeste. Em 1º/12, na Vila Clara, zona sul, em caso de grande repercussão, um jovem de 25 anos foi arremessado de uma ponte por outro PM que o agrediu com cassetete e o ameaçou: "Ou você pula da ponte ou eu jogo você e sua moto daqui".

 

Em 20/11, em patrulhamento na Vila Mariana, zona sul, um estudante de medicina de 22 anos teria dado um tapa no retrovisor da viatura e fugido —foi morto com um tiro à queima-roupa, durante a abordagem policial, na escadaria de um hotel. Outro PM, durante a folga, executou com 11 tiros pelas costas um jovem negro de 26 anos que havia furtado sabão em pó de um mercado, em 3 de novembro, no Jardim Prudência, na zona sul.

 

São quatro episódios ocorridos em 50 dias em São Paulo, que conjugados ao aumento de 98% no número de mortes por PMs, que saltaram de 355 para 702 entre 2022 e 2024, segundo dados do Ministério Público (GAESP-MPSP), merecem especial atenção. A repetição sugere descontrole por parte da cúpula da segurança em relação à violência policial.

 

Não é só —a gestão da segurança pública é tarefa espinhosa, por isso o perfil do secretário diz muito a este respeito, devendo ser premissa o compromisso legalista com o respeito irrestrito às regras do Estado de Direito.

 

Infelizmente, vivemos tempos obscuros, de perda das referências em relação ao respeito à dignidade humana, em que parcelas expressivas do eleitorado aplaudem ensandecidas a prática do "bandido bom é bandido morto". Ou, atualizando a expressão, o chamado "cancelamento de CPF".

 

O secretário de Segurança Pública de São Paulo, o capitão da reserva da PM Guilherme Derrite, já concedeu entrevista criticando colegas de farda que tivessem assassinado menos de três pessoas em cinco anos de serviço, classificando-os como vergonhosos.

 

Mesmo arrependido da crítica, nunca divulgou o número de pessoas que ele teria matado em serviço, mas se sabe que ele é investigado por 16 homicídios, ocorridos em operações das quais participou.

 

Não se pode desconsiderar o fato de que o governador Tarcísio resistiu enquanto pôde à política pública das câmeras corporais, fundamentais para a garantia da transparência nas ações da polícia e melhoria da colheita da prova processual penal.

 

Foi necessário que o presidente do STF interviesse, usando da posição suprema de última palavra do sistema de Justiça, determinando o uso contínuo e ininterrupto, vedando o esdrúxulo liga-desliga.

 

Diante de tantos seguidos e graves episódios, o governador acabou sucumbindo, especialmente pela repercussão gigantesca do caso da vítima arremessada da ponte, sendo forçado a admitir publicamente que errou na avaliação sobre o uso das câmeras.

 

Mas chamo a outra reflexão: foi surpreendente a reação do comandante-geral da Polícia Militar de São Paulo, que classificou a conduta do policial que lançou a vítima da ponte como um mero "erro emocional".

 

Erro é comportamento inadequado, equívoco. Erra a pessoa que faz conversão indevida na condução de um veículo, por exemplo. No entanto, agente da maior Polícia Militar do país, devidamente treinado que, sem motivo, arrebanha civil pelo colarinho e lhe indaga "você pula ou quer que eu te jogue?" pratica gravíssimo crime de abuso de autoridade com elevados níveis de crueldade e perversidade.

 

O aspecto mais elementar do comando é a integridade, o brio, a grandeza, a coragem e a humildade de reconhecer a violação da ordem jurídica pelo comandado.

 

O fato de ter o governador optado por manter nos cargos tanto o comandante-geral da Polícia Militar como o secretário de Segurança Pública em tempos de naturalização e aplauso público dos cancelamentos de CPFs pode significar muito sobre seus valores éticos prevalentes e sobre suas intenções políticas futuras. Admitir que errou sobre as câmeras não é suficiente.

 

Hoje, vale mais a narrativa que o fato, e a ditadura dos algoritmos das redes sociais traça as linhas das políticas públicas em todos os âmbitos. A sociedade tem direito à segurança pública que respeite os limites da lei, não truculenta, não abusiva, sem licença para matar inocentes.

 

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Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

 

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