Temos uma carga tributária digna de país de primeiro mundo, sem a correspondente entrega estatal
Fernanda Regina Vilares
22/08/2023 às 12:00
Imagine um condomínio de apartamentos. Nele, habitam pessoas ou famílias que, além de cuidar de seus espaços privados, dividem a responsabilidade sobre as áreas comuns. Para isso, é preciso contratar funcionários e prestadores de serviços, além de comprar equipamentos e prover a manutenção.
Os vizinhos devem fazer uma cotização dos custos e preocupar-se com a tomada de decisões sobre a aplicação dos recursos arrecadados.
Se o prédio for pequeno e tiver poucos andares, a colaboração para a administração dos bens coletivos costuma ser de todos. A proximidade facilita o controle recíproco. Ao contrário, em condomínios de largas proporções, a quantidade de pessoas e de tarefas a serem desempenhadas envolve uma administração mais complexa, gerando um distanciamento de cada morador.
A participação nas decisões pode diminuir e a visibilidade na consequência do descumprimento de normas começa a se perder. As pessoas tornam-se insensíveis às decisões coletivas. Imagine agora que o condomínio do tamanho de um continente. Para que ele seja sustentável, é preciso não apenas fornecer água e luz, mas também segurança pública, saúde, educação e produzir todo tipo de bens (ou estimular que sejam produzidos). Esse condomínio é o Brasil. Sendo um país originado de uma centralização política, a forma de tomada de não foi inspirada pela participação comunitária e pela cultura de transparência. Uma das maiores consequências foi um sistema tributário extremamente concentrado na arrecadação da União, com entes federativos dependentes de repasse de recursos.
Conforme a complexidade da sociedade e das relações econômicas aumentaram, foram sendo editadas mais e mais normas fiscais, alcançando-se um dos sistemas tributários mais complexos e custosos do mundo. Ainda, a distância entre aqueles que arrecadam, os que pagam e os que usufruem da prestação estatal custeada pelos tributos, inviabiliza por completo a fiscalização da destinação dos recursos.
De uma maneira simplificada, pode-se afirmar que o setor privado gasta, em média, dez vezes mais tempo para cumprir normas tributárias no Brasil do que no resto dos países.
Além disso, temos uma carga tributária digna de país de primeiro mundo, sem a correspondente entrega estatal, porque cerca de um terço dos valores não entram para os cofres públicos por conta de inadimplemento fiscal.
Para piorar, a população não confia na forma de utilização do dinheiro público pela conhecida corrupção das instituições, o que só aumenta o ciclo da evasão fiscal. Resultado: o Brasil é um péssimo sedutor de investimentos estrangeiros e seu crescimento é sonho cada vez mais distante.
Nesse contexto, o Centro de Cidadania Fiscal fez um estudo com base na legislação da Nova Zelândia e desenhou o que seria uma Reforma Tributária Ideal. Inspirado na neutralidade (carga tributária não aumenta nem diminui), nacionalidade (uniformidade das regras no país), transparência e federalismo cooperativo (arrecadação conjunta e repartição automática tal como o Simples Nacional), o estudo inicial tinha o claro objetivo de melhorar o ambiente de negócios do país, simplificar os mecanismos de arrecadação e diminuir as oportunidades de fraude fiscal.
Com algumas adaptações, esse texto originou a Proposta de Emenda Constitucional n. 45, de 2019, que está sendo debatida no Congresso Nacional nesse ano de 2023.
A proposta já teve sua primeira aprovação na Câmara dos Deputados e vai agora para discussão no Senado Federal. Embora muitas sejam as negociações feitas (passadas e futuras), a reforma tributária segue mantendo sua formatação inicial de ser um instrumento para promover uma sociedade mais justa e íntegra.
A unificação do IPI, ICMS, PIS, COFINS e ISS no chamado IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) simplifica o sistema e desonera a indústria, uma vez que a cobrança se concentra no destino final (consumidor).
Além disso, empodera o cidadão, que passa a ter mais ingerência sobre a fiscalização dos valores cobrados e da respectiva aplicação, o que pode servir de conscientização para a escolha de seus representantes e o controle do desempenho dos mandatos. Por fim, toda a forma de cobrança que vem sendo pensada promete diminuir significativamente as chances de fraude e inadimplemento.
A gestão de um país tão grande com tantas especificidades é, claramente, um desafio enorme. No entanto, a Reforma Tributária proposta pretende ser um pontapé inicial para uma nação que, tal qual num condomínio de vizinhos próximos, participa das decisões necessárias para a manutenção da estrutura básica, da captação de recursos necessários e da melhor aplicação desses.
E isso só será possível com a simultânea valorização do setor privado, cujo papel é de relevância ímpar no desenvolvimento econômico e social da coletividade, gerando empregos. A simplificação de seus deveres acessórios perante a administração tributária vai liberar recursos financeiros e humanos para investir em atividade verdadeiramente produtiva. Embora não haja diminuição da carga tributária, todo mundo sai ganhando!
*Integridade e Desenvolvimento é uma coluna do Centro de Estudos em Integridade e Desenvolvimento (CEID) do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC). Os artigos têm publicação semanal.
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