Há um sistema de controle mais eficaz, e as instituições democráticas são sólidas e lidam de forma robusta com a crise
Por Roberto Livianu
09/01/2025 00h05
Há quase 30 anos, a Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico foi um marco num mundo em que a corrupção naturalizada era a graxa que fazia funcionar um sistema estruturado sob premissas que não consideravam relevante nem a transparência nem a integridade. A Coreia do Sul era parecida com o Brasil em matéria de intensidade e descontrole da corrupção.
A naturalização chegava ao ponto de ser admitido abater no imposto de renda os valores pagos a título de propina, nos termos do Código Tributário da França. Até o mundo perceber o dano social causado pela corrupção — e surgir o movimento internacional para seu enfrentamento. Em muitos países, ao longo desses anos, começou-se a levar a questão a sério, adotando política pública relacionada ao tema, além do amadurecimento político e da consolidação das instituições.
O caso sul-coreano merece observação, especialmente pela forma como a democracia e suas instituições têm conseguido lidar com os recentes acontecimentos que vêm sacudindo o país, após anos de maciço investimento em educação integral.
Há mais de um mês, o presidente Yoon Suk-yeol, sem a necessária habilidade política para dialogar com o Parlamento e sem maioria, decidiu fazer uso abusivo da lei marcial, prática arbitrária — e obviamente gerou reação raivosa no Congresso. Ao perceber que exagerou na dose do remédio, ele pediu desculpas e revogou o instrumento, mas o estrago político já era irreversível.
Yoon está afastado do poder por força de impeachment desde 14 de dezembro, e, depois de ignorar várias convocações para ser interrogado, decretou-se pela primeira vez na História do país a ordem de prisão para um presidente em pleno exercício do cargo pelo crime de insurreição. Ainda que ele só possa ser preso por 48 horas, é um dos poucos crimes para o qual o presidente não tem imunidade.
Com centenas de apoiadores de Yoon à frente da residência presidencial, aos gritos em sua defesa, o CIO (Escritório de Investigação de Corrupção para Funcionários de Alto Escalão) tinha até 6 de janeiro para cumprir o mandado de prisão. Mas, depois de um impasse de longas horas, os guardas presidenciais e as tropas militares resistiram a cumpri-lo. O próprio CIO decidiu momentaneamente recuar. O presidente alega ilegalidade na ordem de prisão.
Posteriormente, o mandado de prisão foi renovado. A residência do presidente foi transformada numa fortaleza, com cercas de arame farpado e barricadas com veículos, e até ontem à noite ele resistia às tentativas de prendê-lo.
A institucionalidade, a Constituição e a separação dos Poderes falam mais alto em cada passo. O presidente em exercício cogita determinar a colaboração do PSS — espécie de agência independente responsável pela proteção do presidente da República — para que o mandado de prisão seja cumprido sem fissuras democráticas.
Simultaneamente, a Coreia do Sul vive a tragédia da queda de um Boeing 737-800 da Jeju Air, com 179 mortos, em apuração. A polícia sul-coreana, a bem do interesse público, determinou que o presidente da companhia aérea não pode deixar o país durante as investigações.
Não esqueçamos que há quase 20 anos houve os escândalos da Hyundai e da Samsung, duas gigantes sul-coreanas, relacionados a transações ilegais e suborno para manter o controle acionário das empresas. Ambas foram condenadas e, após os processos, a Hyundai pediu perdão publicamente e doou a título de reparação US$ 1,1 bilhão a obras sociais. Em 2020, de forma inédita, o sul-coreano “Parasita” foi a primeira produção não falada em inglês a ganhar o Oscar de melhor filme.
Existe corrupção na Coreia do Sul, como em todos os países. Mas há um sistema de controle mais eficaz, e as instituições democráticas são sólidas e lidam de forma robusta com a crise política. Como sabiamente apontou o Nobel de Economia Daron Acemoglu, a solidez das instituições é absolutamente essencial para a riqueza e para o progresso das nações.
*Roberto Livianu, procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo, é doutor em Direito Penal pela USP, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção e integrante da Academia Paulista de Letras Jurídicas
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