Fábio George Cruz da Nóbrega*
07 de novembro de 2022 | 05h00
Passadas as eleições, com os votos apurados e proclamada a decisão sobre quem será o novo presidente da República, que assumirá suas funções no início do ano vindouro, é importante retomar o debate sobre a lista tríplice para a escolha do(a) procurador(a)-geral da República.
Na história do Ministério Público brasileiro, a lista tríplice para a escolha da chefia da instituição passou por um longo caminho de evolução e, somente com a promulgação da constituição de 1988, o processo se consolidou com a feição atual, quando os procuradores-gerais passaram a ser escolhidos com ampla participação da classe, a partir da elaboração de uma lista tríplice a ser encaminhada ao chefe do poder executivo para a indicação de qualquer um dos três nomes mais votados.
O sistema de listas acabou sendo estendido no país para ocupantes de vários outros cargos que, por sua natureza e importância, demandam cooperação e transparência em seu processo de escolha. É assim que ocorre também com os reitores de universidades, o defensor público-geral e os magistrados que compõem o quinto constitucional nos tribunais.
Essa é a previsão normativa em vigor para 29 dos 30 ministérios públicos do país. Nos 26 ministérios públicos estaduais, no Ministério Público do Trabalho, no Ministério Público do Distrito Federal e no Ministério Público Militar esse é o mecanismo legalmente estabelecido.
Apenas para o Ministério Público Federal a lista não foi expressamente prevista pelo constituinte. Isso porque, em 1988, quando a Constituição foi promulgada, o MPF ainda exercia as funções de advocacia da União, que demandam relação de confiança com a chefia do poder executivo, o que só deixou de ocorrer em 1993, com a criação da Advocacia-Geral da União.
Apesar dessa ausência de previsão expressa, a entidade de classe que representa as procuradoras e os procuradores da República – ANPR – vem realizando, desde 2001, em razão da simetria com os demais ramos do ministério público, o mesmo processo de consulta.
Durante 14 anos – de 2003 até 2017 –, a lista foi encaminhada à Presidência da República e continuamente respeitada, inclusive pelo presidente agora eleito, com a escolha de um dos três candidatos mais votados. Consolidou-se, assim, um processo que propiciou significativos avanços institucionais.
O atual presidente, Jair Bolsonaro, em 2019 e em 2021, desconsiderou, entretanto, a lista encaminhada. Referida decisão gerou evidente déficit de institucionalidade e contestação ao trabalho desenvolvido pelo atual procurador-geral da República, na medida em que a própria autoridade que realizou a escolha justificou-a, desde a origem, por razões de proximidade, afinidade e confiança pessoal.
O MPF tem, dentre as suas missões institucionais, a defesa dos interesses sociais e coletivos, ainda que contrários aos interesses do governo. Deve exercê-las, claro, sempre dialogando com os poderes constituídos – incluído o poder executivo – e a sociedade civil organizada. Mas considerando a autonomia e a independência que devem caracterizar a atuação da instituição, afinidade, proximidade e confiança pessoal do presidente da República não deveriam ser fatores a influenciar essa escolha, especialmente se levarmos em conta que compete à(ao) PGR investigar e denunciar o próprio chefe do Poder Executivo Federal nos crimes por ele eventualmente praticados. É preciso que prevaleçam outras motivações, de caráter republicano.
A lista tríplice resgata isso. Ela se constitui, primeiramente, em uma garantia de otimização na atuação do MPF, ao propiciar a escolha de alguém com representatividade e liderança na carreira. Também possibilita o acompanhamento e o escrutínio da imprensa, da própria sociedade e dos poderes constituídos sobre quem se dispõe a exercer esse que é um dos cargos mais importantes da república, na medida em que a postulação pública dessas candidaturas permite, através das campanhas, entrevistas e debates realizados, uma avaliação crítica do seu preparo, de suas opiniões e compromissos.
Tem a vantagem, ainda, de incorporar a vontade dos membros do Ministério Público Federal às dos membros do Poder Legislativo e do Poder Executivo em uma conjunção de decisões, um compartilhamento de responsabilidades, de forma que nenhum desses atores possa controlar sozinho o processo de escolha. Isso confere legitimidade ao escolhido, imprime transparência ao processo e contribui para a indicação qualificada do presidente da República, que pode escolher livremente qualquer um dos três nomes apresentados.
É fato indiscutível que a lista tríplice contribuiu e muito para o aperfeiçoamento do Ministério Público Federal, ao conferir legitimidade e caráter público à escolha do(a) PGR, em processo que serve, a um só tempo, ao fortalecimento da democracia interna e da transparência externa, possibilitando que tudo seja desenvolvido sob a luz solar, e não apenas a partir de conversas reservadas realizadas em gabinetes fechados em Brasília.
Com a lista tríplice, ganha o país. E, por isso, é preciso retomar esse debate.
*Fábio George Cruz da Nóbrega, procurador regional da República da 5ª. Região
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção
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