Apesar da importância econômica e demográfica, a capital paulista enfrenta desafios políticos e administrativos que comprometem seu desenvolvimento
Kleber Carrilho
27/08/2024 às 12h13
A cidade de São Paulo, que tem uma população enorme e um Produto Interno Bruto (PIB) maior do que qualquer Estado brasileiro, pode ser comparada a países inteiros. Se fosse independente, estaria entre a Bélgica, Cuba e a Bolívia em termos populacionais, e perto de Hungria, Marrocos e Kuwait no quesito produção econômica.
Mas São Paulo não é um país, é “só” uma cidade dentro do Brasil, que, apesar de toda essa importância, tem sido discutida por quem tenta administrá-la como um condomínio ou, pior ainda, como um negócio de família. Quando olhamos para a campanha eleitoral que acaba de começar, dá para notar que esse fato está longe de mudar.
E isso não é de hoje. Desde a redemocratização, quando os prefeitos passaram a ser escolhidos por voto direto (durante a ditadura, eles eram indicados pelos governadores), as campanhas eleitorais em São Paulo têm se distanciado muito das discussões que realmente impactam o futuro da cidade.
Em vez de uma troca de ideias focada em questões estratégicas e de longo prazo, as campanhas têm sido marcadas por temas que pouco ou nada têm a ver com administração ou desenvolvimento.
Discussões sobre liberação de drogas ilícitas, que é um assunto federal, acusações sobre vícios e orientação sexual, que deveriam fazer parte da vida pessoal dos candidatos, além de questões religiosas, têm, desde 1985, desviado o foco do que realmente seria importante para o debate: o planejamento e o desenvolvimento sustentável da maior cidade do país.
Além disso, São Paulo tem sido usada como trampolim por políticos que almejam cargos políticos que aparentam ter maior importância. Repare, somente neste século, quantas vezes o vice concluiu o mandato porque o titular foi tentar outro cargo.
Essa prática claramente cria um ciclo terrível, em que a cidade raramente é vista como um fim em si mesma, mas somente um meio para outros objetivos políticos.
Isso prejudica claramente a possibilidade de São Paulo se desenvolver de maneira planejada e estruturada, porque os titulares que assumem a cadeira no Anhangabaú em geral não conseguem enxergar a complexidade nem definir uma agenda de intervenções na cidade em pouco tão pouco tempo.
Mas é claro que nem só do Poder Executivo vive uma cidade. Porém, a situação não é muito diferente quando observamos as eleições para a Câmara de Vereadores.
Com raras exceções, a maioria dos que ocupam uma das 55 cadeiras se concentra em temas que pouco contribuem para pensar a cidade.
O planejamento estratégico, essencial para qualquer cidade do porte de São Paulo, é frequentemente deixado de lado, e os vereadores acabam por focar em questões pontuais, sem uma visão abrangente e integrada das necessidades da cidade.
A estrutura política fragmentada e o desinteresse por discussões mais profundas sobre o futuro do município tornam o ambiente ainda mais propício para a corrupção.
A proximidade entre o poder público e certos grupos, muitos operando à margem da lei, permite que interesses privados (e muitas vezes criminosos) se sobreponham a qualquer ideia de coletividade.
Em algumas regiões, a distância da administração municipal faz com que grupos assumam diretamente o controle, utilizando a máquina pública para fins próprios, desviando recursos e comprometendo a qualidade dos serviços.
E tem mais: a dinâmica urbana de São Paulo contribui para agravar ainda mais a situação. A cidade tem uma profunda desigualdade geográfica e econômica. Muitas regiões, especialmente as mais periféricas, não têm empregos e infraestrutura adequada, o que obriga seus moradores a se deslocarem por longas distâncias para trabalhar.
Esse movimento diário, que consome horas no transporte público, faz com que as pessoas que vivem nas áreas mais empobrecidas não tenham tempo nem energia para se envolverem nas questões locais.
Como resultado, a participação política e o engajamento comunitário são mínimos, mantendo um grande distanciamento e falta de representatividade. Isso, mais uma vez, abre espaço para a visão de que a política é o pagamento de pequenos favores, o que, no final das contas, resulta na compra de votos, direta e indireta.
Todos esses fatores levam a uma administração fragmentada da cidade, que muitas vezes parece se aproximar de uma estrutura feudal. Os vácuos de poder são rapidamente ocupados por líderes e grupos locais, que têm relações escusas com a Câmara e com o Executivo e também são ligados a organizações criminosas.
Diante desse cenário, o que fazer? Primeiramente, fica claro que São Paulo precisa urgentemente de um novo modelo de gestão, o que pode fazer parte de uma discussão sobre como administrar as grandes cidades brasileiras, que deve acontecer a partir de Brasília.
Afinal, não é possível que cidades com o tamanho, a importância e a complexidade da capital paulista continuem a ser administradas de maneira improvisada. Câmaras regionais e subprefeitos eleitos diretamente podem ser duas ações essenciais para começar a mudar essa realidade.
Por outro lado, enquanto o modelo de gestão não muda, é possível escolher em 6 de outubro gente que se preocupa com a cidade e tem planos para ela. Afinal, mesmo que sejam raras, essas pessoas existem e algumas delas são candidatas.
*Integridade e Desenvolvimento é uma coluna do Centro de Estudos em Integridade e Desenvolvimento (CEID), do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC). Este artigo reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do CEID e INAC. Os artigos têm publicação semanal.
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