O crescente grau de complexidade das operações, das decisões e do ambiente negocial, assim como a exposição cada vez maior que qualquer ato de corrupção assume na sociedade contemporânea, faz com que a gestão de riscos seja um assunto de extrema relevância nas organizações, já que estes são capazes de provocar danos profundos à imagem e à reputação de uma empresa, com perdas intangíveis em seu respectivo valor.
Para a efetividade das políticas anticorrupção, as due diligences têm sido o primeiro elemento a ser considerado não apenas nas contratações em geral, mas também antes de uma possível fusão ou aquisição. Isso porque, para que os riscos do negócio possam ser estimados e previstos contratualmente, torna-se fundamental investigar previamente a empresa-alvo da negociação, principalmente em relação aos passivos não materializados e relacionados aos atos de corrupção. Assim, das constatações realizadas durante as due diligences, três soluções podem ser sugeridas: a) a formalização do contrato (grau de risco de integridade baixo); b) a formalização de contrato com inclusão de procedimentos de controle (grau de risco de integridade médio); c) a rejeição da contratação (grau de risco de integridade alto).
Apesar da gestão de riscos e das due diligences representarem ferramentas modeladas especificamente para políticas anticorrupção, sem dúvida nenhuma, em tempos atuais, elas serão adaptadas e profundamente utilizadas para efeito de implementação de outras políticas corporativas.
A globalização fez com que as cadeias de valor e suprimentos se estendessem por todo o mundo. As corporações internacionais que não cumprem voluntariamente os padrões ambientais e os direitos humanos ao longo de suas cadeias de fornecimento vêm sendo criticadas há várias décadas por lucrar com regulamentações nacionais fracas e mal aplicadas em países emergentes e em desenvolvimento, especialmente nos países em desenvolvimento. Os recentes incêndios na Floresta Amazônica brasileira, por exemplo, ao receberem atenção global, fizeram com que muitos investidores sinalizassem sua preocupação e indicassem que, se o desmatamento não fosse controlado, seriam afetados os investimentos internacionais nos negócios brasileiros.
Em termos regulatórios, todas essas questões ganharão uma importância ainda maior a partir de 1º de janeiro de 2023, quando entrará em vigor a Lei Alemã de Due Diligence na Cadeia de Suprimentos (Supply Chain Due Diligence Act – SCDDA – ou, em alemão, Gesetz über die unternehmerischen Sorgfaltspflichten zur Vermeidung von Menschenrechtsverletzungen in Lieferketten – LkSG). Inspirada nos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos (UNGP), a nova lei, em resumo, passará a impor responsabilidades significativas às empresas que adquirem seus produtos e serviços por meio de cadeias de suprimentos de países em desenvolvimento e emergentes e os vendem na Alemanha, a fim de que sejam cumpridos os padrões internacionalmente aceitos de direitos humanos e meio ambiente. Na prática, a nova legislação passará a exigir que as empresas alemãs identifiquem e avaliem os riscos aos direitos humanos e ao meio ambiente em suas cadeias de suprimentos e ainda estabeleçam sistemas eficazes de gerenciamento de riscos, o que, obviamente, fortalecerá a realização de due diligences para fornecedores diretos e indiretos. Isso significa, em outras palavras, que as empresas da União Europeia e de outros países, inclusive o Brasil, sejam elas pequenas ou grandes, experimentarão um enorme aumento nas solicitações de clientes relacionadas à devida diligência de direitos humanos.
A lei será aplicada, inicialmente, apenas a empresas sediadas na Alemanha e a empresas sediadas no exterior com filiais alemãs com mais de 3.000 colaboradores e, a partir de 2024, passará a ser aplicada a todas as empresas que tenham mais de 1.000 colaboradores.
Para que a lei alcance os objetivos pretendidos, as empresas também deverão definir a responsabilidade interna pela conformidade com o sistema de gestão de risco (nomeando, por exemplo, um ombudsman de direitos humanos) e, principalmente, deverão apresentar relatórios públicos e anuais sobre suas atividades de due diligence, os quais deverão, inclusive, detalhar as providências adotadas caso um risco seja detectado. Nesse ponto, a efetividade de um sistema de integridade bem implementado será fundamental na prevenção de ilícitos, pois as empresas precisarão garantir que seus processos de conformidade são robustos o suficiente para resistir à fiscalização e, assim, evitar a aplicação de penalidades.
Sob o aspecto sancionatório, o descumprimento das exigências da lei alemã poderá levar à aplicação de multas de até € 800 mil e à proibição de contratar com o Poder Público por até três anos. Já em relação a empresas que possuem faturamento anual superior a € 400 milhões, as multas podem chegar a até 2% desse valor.
A verdade é que, com a promulgação da Lei de Due Diligence na Cadeia de Suprimentos, a Alemanha, em efeito cascata, acabará fazendo com que as grandes empresas que operam internacionalmente passem a garantir a proteção à vida, à saúde e aos meios de subsistência de trabalhadores no mundo todo.
Ignorar condições opressivas e degradantes em prol de uma lucratividade desenfreada, doravante, será arriscado e profundamente dispendioso. Isso significa que o gerenciamento dos riscos corporativos e a realização de due diligences antes da formalização e durante a execução de um contrato passarão a representar praticamente uma condição de sobrevivência para qualquer nicho empresarial.
*Marcelo Zenkner, sócio na área de Compliance e Investigação de Tozzini Freire Advogados
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção
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