LEONARDO BELLINI DE CASTRO* 06 NOVEMBRO 2023 | 4min de leitura
Dado o momento de extrema instabilidade geopolítica pelo qual passa o mundo com a multiplicação de gravíssimos atentados terroristas e a deflagração de vigorosas guerras em inúmeras frentes, o assunto da corrupção governamental poderia ser percebido como tema de segundo escalão em termos de importância a capturar a atenção do público em geral.
Sem embargo, o fato é que as ligações entre a corrupção e a segurança global não passou desapercebida da escritora Sarah Chayes, que produziu trabalho de fôlego no qual analisou exemplos concretos de Países em que a corrupção foi o elemento deflagrador de graves crises humanitárias, sendo mesmo elemento propulsor de movimentos terroristas.
Como aponta a referida autora, é comum que governos geridos por autocratas ou mesmo em democracias nominais em que efetivamente vigora um regime cleptocrático sejam capturados por movimentos extremistas.
Tal metamorfose se dá ora por revoluções propriamente ditas ora pela incrustação de movimentos de militantes extremistas religiosos, os quais antepõem rígidos códigos morais como antídoto para o colapso da integridade pública.
Nesses ciclos históricos, o fato é que se sucedem governos altamente comprometidos com práticas corruptas, ambiência em que a instabilidade institucional permeia as relações do governo com a população civil, que passa a enxergar o aparato estatal como uma estrutura parasitária que faz uso da repressão para a manutenção do uso perverso que faz da máquina pública.
Em tal contexto é que Sarah Chayes tem sublinhado o papel da corrupção como combustível para a manutenção e sustentação de movimentos terroristas, o que se dá particularmente em Países fragilizados pela perenidade de seus conflitos armados.
A corrupção, portanto, em especial quando atinge as forças de inteligência ou de segurança de um País, pode se tornar um perigoso elemento deflagrador de movimentos terroristas, na medida em que a prática sistemática da corrupção erode a confiança pública nas autoridades governamentais, desestabiliza as instituições, que não são mais vistas como aparatos imparciais de aplicação da lei, o que acaba por conduzir à deterioração a legitimidade estatal.
A criação das condições para o surgimento de grupos extremistas pode ser propiciada por práticas corruptas das mais diversas, podendo se destacar o desvio de recursos, o que conduz à sensível piora dos serviços públicos, contribuindo para o empobrecimento e desilusão coletivos, elementos esses catalizadores para a arregimentação de grupos extremistas.
Também o financiamento do terrorismo pode derivar de atividades de lavagem de dinheiro decorrentes de práticas corruptas levadas a efeito no seio dos Estados Nação, fortalecendo tais movimentos ao mesmo tempo em que enfraquece aqueles incumbidos do seu enfrentamento, que podem eles mesmos serem capturados por práticas corruptas.
Em suma, as práticas corruptas em geral podem fornecer um ambiente político que mina a confiança pública nas instituições governamentais, ao mesmo tempo em que fortalece grupos extremistas que podem se colocar como uma alternativa ao corrupto status quo.
Importante observar que a lógica apontada por Chayes tem plena adequação aos casos mais recentes de erupção de conflitos armados mundo afora, sendo paradigmáticas as notícias que envolvem transações suspeitas de grandes somas de dinheiro tanto na Ucrânia, que seria uma espécie de destino comum para operações reiteradas de lavagem de dinheiro de figuras proeminentes da política internacional, como ainda fatos políticos envolvendo as figuras do movimento terrorista Hamas, cujos principais líderes viveriam como bilionários no Catar, enquanto a população sujeita a seu jugo se encontra em situação de extrema pobreza.
Ainda que o Brasil tenha permanecido infenso à infiltração de tais grupos extremistas em seu solo, o fato é que o sombrio cenário internacional poderá acabar por reverberar em nosso território, sendo relevantes e recorrentes as informações de que grupos como o Hezbollah e o próprio Hamas teriam operações no Brasil e tenham até mesmo iniciado parcerias com conhecidas organizações criminosas que aqui desenvolvem suas atividades voltadas ao tráfico de drogas e armas.
Há se comprovar as perigosas ligações entre tais grupos, o frágil aparato institucional de segurança e inteligência aqui existente estará em franca desvantagem para o enfrentamento da questão, mormente em vista da corrupção sistêmica que capturou boa parte da estrutura estatal do País.
Não é, pois, difícil concluir que sem um efetivo e adequado enfrentamento da corrupção em nível global, regional e nacional, a instabilidade geopolítica continuará a se intensificar, podendo até mesmo se espalhar mundo afora em Países com uma estrutura institucional fragilizada, os quais normalmente não se deparavam com tais questões.
Urge considerar a corrupção como uma supra violação dos direitos humanos, eis que dela emana toda uma rede multifacetada de violação de direitos humanos, sendo ilusório e pueril esperar uma efetiva preservação de tais direitos se o aparato responsável por levar a cabo tal missão estiver capturado por uma agenda diversionista orientada para a maximização de suas próprias vantagens.
*Leonardo Bellini de Castro é promotor de Justiça – MPSP e mestre em Direito pela USP
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção. Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica
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