ROBERTO NEVES PEDROSA DI CILLO* 26 SETEMBRO 2023 | 5min de leitura
Parece que foi algo combinado: uma canetada e estão acomodados e acomodadas recebedores de jetons de companhia cujo capital é, parcialmente, da União. DA UNIÃO, não do governo, qualquer um que esteja no poder.
A questão não tem ou não deveria ter a ver com a formação específica de cada um dos indicados ao conselho. A questão é outra.
E vamos ser honestos: é uma indicação que não tem como resistir, então é melhor chamá-la de nomeação mesmo.
A formação diversa dos nomeados pode ser útil, assim como a combinação de formações distintas pode ser um grande ativo imaterial para qualquer empresa, sobretudo para aquelas que, em seus sites, de cara, falam que seguem princípios ESG, relativos ao meio-ambiente, social e governança.
Mas a governança não é menos importante do que o cuidado com o meio-ambiente num contexto de premência, eis que a mudança climática já aconteceu e agora é questão de correr atrás do prejuízo, inclusive no Brasil.
Tampouco a governança é menos importante do que o cuidado com o social, numa nação em que a maioria sempre foi e continua a ser desprestigiada por minorias privilegiadas, que fizeram um pacto, silencioso ou nem tanto, para impedir a entrada de novos e novas participantes.
A crítica à falta de bom senso na, mais uma vez, colocação de pessoas que não deveriam estar numa companhia com participação societária estatal, é devida. Mas é pelo conflito de interesses, pela acomodação de interesses, pelo benefício dos jetons, pela falta de uma boa governança. E não é crítica pessoal.
Novamente, a diversidade é ou deveria ser bem-vinda, mas sem dívidas e outros ônus ou vínculos que comprometam a independência.
O que não é bem-vindo é o atraso. A exigência de capacitação prévia de conselheiros e conselheiras em matéria X ou Y, é desatualizada. “Ah, mas para ser conselheiro ou conselheira precisa saber o básico de finanças”. “Uhm, mas sem conhecimento de contabilidade, como vai fazer um bom trabalho?”.
Sério, em 2023... Já era tempo de ter entendido e assimilado que já ultrapassamos a fronteira da ignorância sobre a essencialidade da diversidade inclusive em conselhos de administração (e diretorias).
É um caminho sem volta. Ou deveria ser. Oxigenar é preciso e a oxigenação vem com diversidade, que tende a mitigar vieses.
Não há dúvidas que algumas funções somente podem ser aprendidas e/ou desenvolvidas em seu exercício. E mais: algumas profissões se criaram e continuam a operar da mesma forma. Um exemplo? A advocacia, que segue o modelo do aprendizado (como tradução para apprenticeship model, do inglês).
Difícil encontrar conselheiro ou conselheira que já está totalmente pronto ou pronta para o exercício da importante função de tomar contas da diretoria da empresa, que é o que conselheiros e conselheiras devem ou deveriam fazer, precipuamente.
Ainda que tenham tido várias vidas antes e que tenham feito cursinho que promete abrir novos horizontes, o de conselheiro ou conselheira de administração, vai haver uma fase de adaptação e aprendizado na função para qualquer pessoa.
Esse negócio de on-the-job training é essencial em alguns setores da economia. E engana-se quem acha que está adstrito a funções menos o que for. Algumas dessas funções podem estar relacionadas, inclusive, à proteção do meio-ambiente e pessoas.
Exemplos concretos não faltam no setor de exploração de petróleo e gás, onde os riscos são altos, para os próprios trabalhadores e para o meio-ambiente. Para quem quiser um exemplo mais concreto, procure se informar sobre a função do sondador em plataformas de perfuração e quão importante a função pode ser para prevenir acidentes. São anos e anos de treinamento e retreinamento em controle de poço (e certificações, que no caso fazem sentido).
Claro, os riscos de quem está no operacional são uns, os riscos que precisam ser geridos pela empresa, com a supervisão de um conselho de administração, são diferentes.
Mas, no fundo, conselheiros e conselheiras tem uma função essencial de aprovar ou reprovar o apetite a riscos que uma empresa vai ter, seja ela com participação estatal ou não, inclusive. E, talvez, conhecimento em finanças, contabilidade, direito, administração, não tenha um papel tão importante assim, algo que pode ser contratado externamente pelo próprio conselho.
Caso o conselho não queira ou possa bancar, não seria inédito que conselheiro contratasse, na pessoa física, seus próprios consultores, pagando até do próprio bolso.
Dentre as habilidades de conselheiros ou conselheiras, talvez comunicação em massa, via redes sociais, seja mais relevante na atualidade. Marketing digital, quem sabe, também, a depender do setor em que a empresa atua, ainda que ela tenha participação societária estatal.
Em conselhos impera ou deveria imperar o bom senso, que se forma, que se aprende, que se tem ou não, que se pode perder também, daí a necessidade de mecanismos – de governança, quem diria – para aferição da aderência também por conselheiros ao melhor interesse da empresa, o que pode acontecer após o fato, via sua responsabilização.
Diretoria é um animal distinto e dela se pode tratar em outra oportunidade.
No fundo, o que está no âmago da questão é como conselheiros e conselheiras são selecionados e como deveriam ser. Quem achar que basta escolher uma empresa e/ou profissionais de recrutamento talvez nem queira continuar a ler este texto. Mas se estiver aberto a não se abraçar mais dogmas, continue...
Profissionais de recrutamento podem ajudar, desde que sejam escolhidos com profissionalismo e para atuação independente. Se forem contratados apenas para chancelar uma nomeação, talvez fosse melhor economizar o dinheiro, que não será pouco.
E se o ou a profissional de recrutamento também estiver abraçado ou abraçada a velhos dogmas na busca e recomendação de conselheiros ou conselheiras, já se sabe onde também há oportunidade de melhoria.
*Roberto Neves Pedrosa Di Cillo é advogado, graduado pela Universidade de São Paulo, LLM pela University of Notre Dame, professor de pós-graduação, palestrante, autor de diversos artigos sobre temas de governança, vice-presidente das Comissões de Governança e Integridade e de Liberdade de Imprensa da OAB-SP
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção. Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica
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