O usuário das redes quer confiar nas informações. Como obter a confiabilidade sem regulação?, questiona Roberto Livianu.
Voltemos a junho de 2020 –ou seja, 3 meses após a decretação da pandemia, com o planeta atordoado diante de suas devastadoras consequências, que incluíam mortes por todos os lados, quarentena, uso de máscaras, desenvolvimento a toque de caixa de uma nova vacina.
De um modo geral, o mundo democrático ocidental usou a ciência como premissa elementar e estabeleceu como estratégia de enfrentamento a criação de comitês de gestão de crise da pandemia, tendo o conhecimento científico e os cientistas como protagonistas. Como é de conhecimento notório, o Brasil não seguiu este caminho.
Percebeu-se a necessidade da união para se evitar a desinformação, o que teria potencial altamente lesivo à sociedade. Mas o governo Bolsonaro não aceitou o convite para aderir à iniciativa de países de todo o planeta para estabelecer compromisso pela não difusão de desinformação em meio à pandemia.
O documento foi assinado à época por 132 países e autoridades, incluindo aliados do próprio governo Bolsonaro, como Israel, Índia, Hungria e Japão. Até mesmo os EUA de Donald Trump, assim como o Reino Unido de Boris Johnson. Também Alemanha, França e Itália, entre muitos outros países democráticos.
Na América do Sul, só o Brasil ficou de fora, lamentavelmente unindo-se à Rússia de Putin, a Cuba e à Coreia do Norte, do ditador Kim Jong-Un, conforme se destacou à época.
Eis que, em março de 2023, passadas as eleições, há um debate nacional deflagrado sobre a regulação das mídias sociais e do próprio marco civil da internet, que alguns denominam de “Lei das Fake News”. A discussão diz respeito a estabelecer por lei limites em matéria de fake news, até porque no pleito eleitoral de 2022 houve intensificação da prática, que demandou a intensa intervenção da Justiça Eleitoral, por isto por alguns criticada por excessos, na defesa da ordem democrática.
O STF, pelos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, convocou para 28 de março audiência pública especificamente sobre as regras do Marco Civil da Internet. Os temas em discussão serão a responsabilidade de provedores de aplicativos ou de ferramentas de internet por conteúdo gerado pelos usuários e a possibilidade de remoção de conteúdos que possam ofender direitos de personalidade, incitar o ódio ou difundir notícias fraudulentas a partir de notificação extrajudicial.
As duas questões são objeto dos Recursos Extraordinários (REs) 1037396 e 1057258 (Temas 533 e 987 da repercussão geral), recordou o STF. O Tema 533, de relatoria do ministro Fux, trata do dever de empresa hospedeira na Internet de fiscalizar o conteúdo publicado e de retirá-lo do ar, sem intervenção judicial, quando for considerado ofensivo.
Já o Tema 987, relatado pelo ministro Dias Toffoli, discute a constitucionalidade de regra do Marco Civil da Internet que exige ordem judicial prévia e específica de exclusão de conteúdo para a responsabilização civil de provedores, hospedeiros de websites e gestores de aplicativos de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros.
Debater no STF em audiência pública é importante para que a voz da sociedade seja ouvida e analisada e da mesma forma importante estabelecer debate de qualidade no Congresso visando a proscrever contas falsas ou automatizadas (robôs), construir mecanismos de combate à disseminação de conteúdo falso por redes sociais e serviços de mensagens privadas, dentro da lógica da necessária moderação e especialmente estabelecer responsabilidades e obrigações para os provedores de redes.
Existem resistências à aprovação de projeto referente ao tema das fake news, argumentando-se: o que seria mentira, o que seria mera versão ou narrativa? Além disso, alguns argumentam que a regulação constrangeria a liberdade de expressão. Mas pergunta-se: liberdade para mentir, liberdade para enganar as pessoas, para disseminar inverdades? O ponto é: o que distinguiria a verdade da inverdade?
O usuário das redes quer confiar nas informações. Como obter a confiabilidade sem regulação? A mentira envenena a democracia, construindo e assentando percepções indevidas e injustas, assassinando reputações. Sua impunidade gera sobrevida.
Levantamento publicado nesta 3ª feira (14.mar.2023) e divulgado aqui no Poder360 mostra que o Brasil se destaca no cenário internacional como 3º maior usuário das redes, em pesquisa da Comscore, o que evidencia a especial necessidade de cuidar do tema com especial cuidado e prioridade.
Entretanto, é necessário termos absoluta clareza que estamos construindo mecanismos relevantes, que terão inegável utilidade, mas que não enfrentam a origem dos problemas, infinitamente mais complexos, profundos e que demandam trabalho dificílimo e de longo prazo. Falo da inexorável necessidade de maciços investimentos em educação pública, em enfrentamento da crônica e dramática desigualdade social, da imprescindível reforma político-partidária-eleitoral, da necessidade de termos uma política pública anticorrupção, que nunca tivemos. Precisamos olhar para a árvore, sem jamais perder de vista a floresta toda.
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