top of page
Foto do escritorInstituto Não Aceito Corrupção

Conseguiremos iniciar uma nova agenda anticorrupção?

Integridade na administração pública pressupõe respeito às regras do jogo


Por Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho*

02/01/2023 | 05h00


No nosso último encontro neste espaço, em 5/8/22[i], dizia que planejava apontar mais desafios que o processo conturbado de aprovação da reforma da Lei de Improbidade Administrativa nos legou, isso sob o pretexto, já nada original, de contínuo aprimoramento de nosso Estado e sociedade por meio de leis.


O avanço surpreendente da tramitação da PEC Kamikaze, que criou e ampliou, de forma quiçá nunca antes vista em nosso país, uma série de benefícios sociais em ano eleitoral[ii], interrompeu nossa intenção original.


O grau de desinstitucionalização que a marcha então encampada pelo Congresso, ao que tudo indica em plena consonância com os anseios do Palácio do Planalto, representava para Brasil reclamava, no nosso sentir, um freio de arrumação.


Ou o Estado é regido por regras impessoais, que estabelecem quem e como o poder social deve ser exercido pelos governantes, ou então estamos flertando com o arbítrio, a barbárie, o "manda quem pode e obedece quem tem juízo", a lei do mais forte, da selva enfim...


A medida em tela desafiava nossa Constituição e a lei eleitoral....nada obstante passou....


E como nós estamos quatro meses depois, passada uma eleição e às vésperas da posse de um novo governo?


Nas últimas semanas vimos estradas bloqueadas por caminhoneiros, pessoas cantando o hino nacional com os braços estendidos em estética que lembra saudação nazista[iii], milhares de brasileiros, que não se conformam com o resultado das urnas, na frente de quartéis, pedindo "intervenção federal", certas autoridades públicas falando ou silenciando numa atmosfera que deixa em suspenso se, vejam só, a lei será espontaneamente cumprida, e se o novo presidente eleito entrará em exercício sem sobressaltos.


Como o leitor já pode supor, sim....digo, não...não faz sentido voltarmos a falar de medidas jurídicas capazes de aprimorar nossas instituições em prol de um ambiente mais íntegro no que se refere às relações público-privadas, à gestão do dinheiro público, se não estivermos de acordo com regras mínimas de convivência em um país que teima em nos prometer um lugar de destaque no concerto das nações.


Temos um sistema eleitoral que, com todas as dificuldades e potenciais polêmicas que envolvem os assuntos humanos, vem se mostrando seguro.


O sistema de voto eletrônico, vale lembrar, foi criado justamente como uma alternativa para substituir o sistema de voto em papel que era então utilizado, e sob a égide do qual escândalos de fraude nas urnas não eram incomuns.


Desde então nenhuma notícia de fraude foi comprovada em nosso sistema de votação.


Nos últimos anos, nada obstante, por razões ainda a serem esclarecidas, este sofreu intensa campanha de difamação por parte de alguns atores políticos, que fomentaram a dúvida da população quanto à sua higidez.


De problemas concretos nas eleições passadas e na presente, até onde se sabe, nada foi encontrado.


O questionamento, porém, continua.


Onde, como nação, pretendemos chegar nessa caminhada?


Sem prova de fraude na eleição seria legítimo não se observar o respectivo resultado? Isso por "não haver prova de que esse sistema é infalível"?


Não existe bala de prata contra a corrupção.


Mesmo em países ricos e desenvolvidos vez por outra há notícia de desvios éticos de monta, comprometendo altos escalões do funcionalismo em suas interações com o grande poder econômico ou político.


O que se espera de um Estado de Direito, fundado no primado da lei, é a reação institucional aos ilícitos praticados, com apuração imparcial das infrações cometidas, responsabilização dos delinquentes e adoção de providências para fortalecer mecanismos aptos a evitar a reiteração das referidas transgressões.


A cada novo governo eleito deve-se se estabelecer uma política pública de combate a desvios. Fazendo-se um diagnóstico de espaços mais suscetíveis à ocorrência de fraudes, traça-se um plano de ação com metas para mitigar os respectivos riscos, ao que se segue a ação pública nestes termos estrategicamente elaborada, após o que, encerrado um dado período examinado, faz-se um novo diagnóstico dos novos problemas identificados.


Fechando-se um ciclo de atividades estatais vocacionadas ao controle da probidade nos fazeres públicos, outro se abre.


Mas para isso precisamos, antes, seguir as regras.


Conseguiremos, nesse contexto altamente turbulento enfrentado pelo país, nos colocar todos de acordo para com elas?


P.S. Não bastasse a ruidosa relação do governo federal que ora se despede com regras bastante claras quanto ao uso de recursos públicos em ano eleitoral, o que se inicia aparentemente pretende uma alteração na Lei das Estatais (Lei n. 13.303/2016) com o objetivo de alterar a quarentena que se exige para que determinadas pessoas possam ser elegíveis a cargo de direção nessas empresas....fala-se em reduzir o prazo de quarentena legalmente previsto de 3 anos para 1 mês[iv]...enfim, ao menos neste momento, infelizmente os sinais não são bons no que se refere à expectativa de uma Administração Pública mais eficiente e proba em um futuro próximo, que tenha apreendido com os erros do passado....


[i] PEC Kamikaze, Ulisses e sereias: um ensaio sobre o risco advindo da contínua desinstitucionalização do nosso Estado de direito https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/pec-kamikaze-ulisses-e-sereias/, texto de 05/08/2022, acesso em 21/11/22.





*Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho, doutor e mestre em Direito do Estado. Juiz de Direito em São Paulo


Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção


Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica

16 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page