Por Conrado Gontijo*
17/02/2023 | 05h00
A Transparência Internacional publicou, no dia 31 de janeiro de 2023, a mais recente edição do Índice de Percepção da Corrupção, criado em 1995 com a finalidade de captar os "níveis de percepção da corrupção no setor público". O Brasil, muitas vezes identificado em estudos estrangeiros como o país do jeitinho, "perdeu 5 pontos" em sua avaliação, entre os anos de 2012 e 2022, "saindo da 69ª para a 94ª colocação", em ranking que congrega informações sobre "180 países/territórios em todo o mundo".
No que toca ao ano de 2022, o estudo elaborado pela Transparência Internacional destacou circunstâncias - presentes durante toda a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro - determinantes para que o país ficasse estagnado no enfrentamento efetivo da corrupção. Tais circunstâncias revelam que o governo anterior, não obstante tenha hasteado a bandeira do combate ao fenômeno, foi, em verdade, seu incentivador.
A Convenção da Organização das Nações Unidas Contra a Corrupção (ONU), que faz parte do direito brasileiro desde 31 de janeiro de 2006, prevê que todos os países garantam ampla independência de seus órgãos de combate à corrupção. Entretanto, a retrospectiva feita pela TI ressalta o fato de que, "em 2022, como em anos anteriores ao governo de Jair Bolsonaro, episódios graves de ingerência política foram registrados em instituições-chave da administração federal, destacadamente na Polícia Federal (PF)".
Inúmeras foram as notícias de que Jair Bolsonaro promoveu substituições no comando da Polícia Federal, justamente porque investigações em andamento poderiam resultar na descoberta de escândalos de corrupção envolvendo seu governo, e, não custa relembrar, seus familiares mais próximos. Houve, de acordo com os estudos da TI, um processo gradual - e, pode-se afirmar, deliberado - de "fragilização das instituições", que comprometeu severamente o enfrentamento da corrupção.
Mesmo com as providências voltadas ao enfraquecimento das estruturas de controle estatal e da apuração de práticas corruptas, graves escândalos foram expostos, durante os últimos quatro anos, que desvelaram a atuação ilegal de agentes estatais e a geração de significativos prejuízos para a administração pública, para a sociedade.
Citem-se, nessa esteira, o escândalo envolvendo a compra de vacinas durante a crise sanitária da Covid-19; os malfeitos dos pastores que se assenhoraram do Ministério da Educação (MEC); o esquema das "rachadinhas", que expôs uma dinâmica aparentemente criminosa de funcionamento do gabinete do Senador Flávio Bolsonaro; e o obscuro e inconstitucional orçamento secreto, que consumiu aproximadamente R$30.000.000.000,00 (trinta bilhões de reais), sem que houvesse mínima transparência, situação que já deu origem a investigações criminais, porque comprovados, em certos casos, expressivos desvios de recursos públicos.
O Brasil experimentou nos últimos anos - e os dados angariados pela Transparência Internacional corroboram essa afirmação - uma atmosfera ideal para a disseminação da corrupção: o aparato estatal que tem a missão de coibi-la foi aparelhado para servir aos interesses egoísticos dos governantes da ocasião, tendo se esvaído a independência essencial ao seu funcionamento; o volume de recursos públicos distribuído sem que houvesse fiscalização alcançou cifras históricas; o Poder Executivo da União era chefiado por alguém que, em inúmeras oportunidades, expressou seu desapreço pela democracia, pelos ditames constitucionais, legais e morais.
Não era de se esperar, destarte, melhor sorte no índice divulgado pela Transparência Internacional. Afinal, o governo de Jair Bolsonaro se afastou do caminho de enfrentamento da corrupção, deixou de observar os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil para aumentar os níveis de transparência e de moralidade na gestão da coisa pública, e, por consequência, mereceu as críticas da organização referida: "Em 2022, encerrou-se o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro e, com ele, um processo de desmanche acelerado dos marcos legais e institucionais anticorrupção que o país havia levado décadas para construir".
Isso ocorreu apesar de o Brasil dispor de inúmeros mecanismos de controle e fiscalização da atividade estatal. Com efeito, nosso ordenamento jurídico conta com instrumentos normativos aptos a promover o bom funcionamento da máquina estatal - a Lei de Acesso à Informação, a Lei Anticorrupção, a Lei de Organizações Criminosas, a Lei de Improbidade Administrativa, a Lei de Lavagem de Dinheiro, entre outras -, e com organismos especializados capazes de operacionalizar a sua correta aplicação, tais como a Controladoria-Geral da União (CGU), os Tribunais de Contas, o Ministério Público, a Polícia Federal, entre outros.
É primordial, entretanto, para o sucesso das políticas de enfrentamento da corrupção, que os diplomas normativos vigentes sejam observados em toda sua extensão, e que os órgãos de controle atuem de forma efetivamente independente, o que comprovadamente não aconteceu durante os quatro anos de Jair Bolsonaro.
O novo governo, dando sinais de que pretende recolocar na direção correta as políticas públicas de combate à corrupção e de promoção da moralidade administrativa, vem anunciando que assegurará autonomia técnica aos agentes da Polícia Federal. Ademais, a Controladoria-Geral da União (CGU) indica que revogará os decretos de Jair Bolsonaro que tornaram letra morta a Lei de Acesso à Informação, ao instituir sigilo de 100 (cem) anos para assuntos relacionados à administração estatal, de incontroverso interesse público.
Os primeiros passos, portanto, estão sendo dados. Porém, é preciso mais, muito mais, para que possamos verificar, no ambiente da administração estatal, não a histórica prevalência das vontades particulares, bem destacada por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, mas a vontade coletiva, o interesse público.
*Conrado Gontijo, advogado criminalista. Doutor e mestre em Direito Penal pela USP. Pós-graduado pela FGV e pela Universidad Castilla-la-Mancha (Espanha). Professor do IDP. Membro do Grupo Prerrogativas, do IDDD, do IBCRIM, do IEC, da IASP
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção
Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica
コメント