Por Fernanda Fragoso*
22/03/2023 | 05h00
As organizações que possuem um Programa de Integridade implementado, o qual se constitui em um conjunto estruturado de medidas institucionais para a prevenção, detecção, punição e remediação de práticas de corrupção e fraude, de irregularidades e de outros desvios éticos e de conduta, possuem, inevitavelmente, um Canal de Denúncias.
O Canal de Denúncias é um dos Pilares do Programa de Integridade, de acordo com a Corregedoria Geral da União, e a sua existência dentro de uma empresa é essencial, já que, de acordo com o maior estudo global sobre fraude ocupacional feito pela ACFE "Association of Certified Fraud Examiners" em 2022 (12ª edição), realizado com dados de 133 países com base em 2.110 casos reais de fraude ocupacional, as organizações perdem em média 5% do faturamento anual, sendo uma média de US$ 1.738.000,00, oriundos de casos de fraudes.
Através deste Canal, os denunciantes, colaboradores e terceiros podem comunicar à organização sobre a identificação ou suspeita da prática de fraudes, de situações de não conformidade, tais como: corrupção, assédio moral e sexual, roubo, furto, entre outros. Uma vez efetivada a denúncia, a organização avaliará a sua justa causa e poderá deflagrar uma investigação interna, e, posteriormente, tomar as medidas cabíveis para obstar a situação relatada o mais rápido possível e tentar recuperar as perdas de natureza financeira.
Entretanto, há organizações em que ocorre a total perda de credibilidade do Canal de Denúncias, acarretando o não recebimento de relatos. Este fato denota a completa ineficácia desta ferramenta tão importante para a organização. Os colaboradores e terceiros devem se sentir confortáveis em realizar a denúncia! Não pode haver medo de retaliações por parte dos denunciados e de outras pessoas da organização.
Quando isto acontece, os riscos envolvidos, que normalmente são reputacionais e financeiros, não são conhecidos e mitigados pela organização, por falta de conhecimento.
Para que este meio de identificação de ilícitos e não conformidades tenha eficácia, ou seja, para que o canal seja, efetivamente, utilizado para o encaminhamento de denúncias pelos colaboradores e terceiros, é essencial que alguns aspectos sejam observados pela organização.
O primeiro a ser mencionado, sem dúvida, é o sigilo e a confidencialidade, que devem ser garantias essenciais e obrigatórias com relação ao denunciante, ao denunciado e durante a investigação, caso seja instaurada. O mesmo se aplica com relação aos procedimentos que podem ser realizados no curso de uma investigação, como, por exemplo, entrevistas com denunciantes e testemunhas, avaliação de documentos, análise de câmeras de segurança, entre outros. Finda a investigação interna, deverá ocorrer o reporte com o resumo de todos os fatos e passos e apurações realizadas para que o Comitê de Ética, ou outro órgão da organização, delibere sobre as medidas disciplinares a serem aplicadas.
É importante sublinhar que os componentes do órgão que irá deliberar sobre o fato trazido pelo denunciante devem ser imparciais e não existir a possibilidade de influência com relação a alguma retaliação ao mesmo.
Além disto, outro aspecto relevante é a organização dar retorno ao denunciante sobre o status do processo de investigação, e a possibilidade de entrar em contato com o mesmo para buscar maiores informações do relato, com a preservação de sua identidade.
O sentimento de que a organização não resolveu o fato relatado é um fator importante de desestímulo aos denunciantes, o que acarreta, também, a ineficácia do canal de denúncias.
Outro aspecto a ser considerado é a utilização de Canal de Denúncias terceirizado. A contratação desta ferramenta gera, sem dúvida, uma maior confiança e credibilidade aos denunciantes e funcionários, trazendo melhores resultados para a organização. O terceiro, se utilizando de uma equipe capacitada, recebe, analisa, categoriza e encaminha as denúncias aos responsáveis da organização, mencionando, inclusive, em muitos casos, as que são de caráter urgente. Muitos oferecem, também, psicólogos para recepcionar o relato do denunciante, trazendo maior conforto e segurança.
Por último, há que se mencionar a necessidade do emprego, pela organização, de comunicações internas e externas aos colaboradores e terceiros, como a disseminação de políticas, e-mails, quadro de avisos, palestras e treinamentos de forma contínua e periódica.
Essas medidas fazem parte do devido e necessário aculturamento de pessoal, e o apoio da Alta Direção a essas iniciativas é sempre fundamental.
A conscientização dos funcionários deve versar sobre as suas garantias enquanto possíveis denunciantes, bem como, informações detalhadas sobre o trâmite do relato, desde a sua recepção, análise prévia e procedimento de investigação interna, além de deliberação do Comitê de ética e as possíveis consequências ao denunciado.
As ações de conscientização devem ser sempre contínuas e periódicas, não deixando essas informações caírem no esquecimento do público-alvo.
Em suma, a organização deve sempre prezar pela difusão de informações, trazendo confiança e transparência no tocante ao Canal de Denúncias.
O maior indício de ineficácia do Canal é a falta de denúncias! Quando isto ocorrer, a organização deverá rever a sua estratégia no que tange à gestão do compliance.
*Fernanda Fragoso é advogada corporativa e criminal, especialista em Riscos e Compliance, mestre e doutoranda em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa - UAL, auditora líder ISO 37001 e ISO 37301 Sistema de Gestão Antissuborno e Compliance
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção
Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica
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