Ananias, o medíocre
- Instituto Não Aceito Corrupção
- 8 de abr.
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Na vida de repartição pública, a inveja, intriga e o monitoramento da vida alheia estão presentes; leia a crônica
Ananias, semi-calvo, grisalho e medíocre não escondia a inveja de Rubens; na imagem, sala de repartição pública
Roberto Livianu 8.abr.2025 (terça-feira) - 5h55
Avida da repartição pública na poeirenta Asa Branca não tinha grandes emoções e a rotina se repetia de modo muito semelhante todos os dias, especialmente no quesito das futricas, das invejas, do monitoramento atento da vida alheia sem deixar passar lance algum.
Por isto, não escapou aos olhos de lince do vaidoso Ananias o progresso de Rubens nos mais variados planos da vida. Era benquisto entre os colegas, sociável, organizava as confraternizações, liderava boas e solidárias iniciativas como as campanhas do agasalho no inverno.
Ananias era semi-calvo, grisalho, verticalmente prejudicado, usava ternos azuis, camisas azuis, cuecas azuis, meias azuis, tudo sempre azul porque desde a infância sempre acreditou como dogma que meninos devem vestir azul e meninas, rosa, o que lhe rendeu o apelido de Mr. Blue.
Rubens era líder da categoria e seu porta-voz, comunicava-se com talento e carisma, tendo magnetismo natural, que criava atração natural em torno de si. Escrevia bem e sabia se portar ao falar em público e na televisão.
Ananias fingia não perceber o sucesso de Rubens, mas, por dentro, se roía de inveja e pensava diuturnamente, invadido pela pobre mesquinhez, em maneiras de apagar o brilho do desafeto, por não se conformar com a própria insignificância e invisibilidade social. Não se conformava com o talento dele diante de sua absoluta e infeliz mediocridade, enquanto o outro construía sua história e deixaria um legado.
Em público, a relação entre os 2 aparentava ser normal. Ananias ocultava os maus sentimentos, egoísmos e perversidades, fingindo ser magnânimo, amigo leal e solidário. Mas bastava que uma mulher esboçasse simples gesto de admiração por Rubens para ele lançar de imediato sua inveja vil. Cobiçava tudo, da capacidade intelectual, à cultura, ao amor pelo Flamengo, aos talentos, os dons.
Numa certa comemoração de aniversário, Rubens se fazia acompanhar de uma beldade morena, trajando um vestido verde escuro de cetim. Ananias aproveitou-se de uma oportunidade quando aquele se ausentou indo ao toalete e abordou a moça com ousadia extrema, sem pudores. Quis tomá-la para si (apesar de ser casado há quase 30 anos) como se Rubens sequer existisse, mas ela relatou os fatos ao acompanhante e isto acendeu a 1ª luz amarela.
Haveria um concurso interno para prover um cargo de chefia e Ananias participava da banca julgadora dos candidatos, que contou com a inscrição de Rubens e de muitos outros, assim como de Feliciano, menos experiente que Rubens, menos brilhante, menos carismático e menos dedicado ao longo dos anos à lida burocrática dos processos administrativos. De modo figurado, seu dia a dia nos remetia a Carlitos apertando parafusos no filme “Tempos Modernos”.
Na análise das candidaturas, houve alguns votos conscientes e justos em prol de Rubens, reconhecendo seu talento e seus méritos funcionais e administrativos. Ananias, inconformado com a hipótese do progresso profissional de Rubens, articulou nos bastidores o voto em prol do burocrata Feliciano, evidentemente muito menos qualificado, sob o argumento de que ele sempre se dedicara totalmente à jornada burocrática da repartição (o fiel apertador de parafusos), sem desviar seu foco.
Rubens não foi promovido exatamente por ser o mais qualificado e por ser aquele que tinha mais méritos, mas por ser quem despertava os maiores níveis de inveja, um dos 7 pecados capitais.
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