Por Maria Regina Reis*
31/03/2023 | 05h00
Em 2016, pouco após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, foi promulgada a Lei 13.303/2016, que criou um marco legal para as empresas estatais brasileiras. Foram introduzidos mecanismos de fortalecimento da boa governança, o que resultou em maior profissionalismo e eficiência das empresas. Por essa razão, a Lei ficou conhecida como "Lei das Estatais".
Dentre as medidas inovadoras, destacam-se os incisos I e II do § 2° do art. 17 da Lei, que vedam a indicação, para o Conselho de Administração da estatal ou para a sua diretoria, de políticos que estejam exercendo as funções de Ministro de Estado, Secretário de Estado, Secretário Municipal, dentre outros, e estabelecem uma quarentena para pessoa que tenha atuado nos últimos 36 meses como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado à organização, estruturação e realização de campanha eleitoral.
Apesar do resultado positivo dessas regras, desde o final do ano de 2022, tais dispositivos vêm sendo atacados tanto pelas vias legislativas quanto pelas judiciais.
No Legislativo, o ataque iniciou-se na Câmara dos Deputados, onde, em 30/11/22, foi apresentado o PL 2896/2022, que propunha a modificação da Lei para aumentar o limite de gastos publicitários das empresas públicas e das sociedades de economia mista de 0.5% para 2% da receita bruta operacional do ano anterior.
Tal proposta, por si só, já deveria ter sido submetida a amplo debate não apenas entre os parlamentares, mas também com a sociedade civil. Um aumento de verba para propaganda em 1.5% da receita bruta operacional do ano anterior representa uma cifra altíssima, cuja alteração deve ser debatida à luz dos holofotes. Na Petrobrás, por exemplo, esse percentual equivale a um aumento de "bilhões" a serem destinados a um setor de dificílimo controle, como é o da verba publicitária.
O projeto em questão foi distribuído às Comissões em 05/12/2022. Contudo, em uma tramitação que, infelizmente, tornou-se padrão naquela Casa, foi levado diretamente a votação em Plenário, sem discussão prévia e aprovado com a inclusão de um dispositivo que justamente modifica o inciso II do § 2° do art. 17 da Lei das Estatais, retirando a quarentena de 36 meses. O projeto foi encaminhado ao Senado Federal, onde ainda se encontra pendente de apreciação.
Entretanto, o enfrentamento nas vias judiciais foi bem mais arrojado. Em 28/12/2022, o partido PC do B ajuíza uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra os incisos I e II do § 2° do art. 17 da Lei das Estatais (ADI 7331). A argumentação apresentada é a de que tais vedações são incompatíveis com o exercício dos direitos constitucionais da isonomia, da ampla acessibilidade a cargos, empregos e funções públicas e da participação político partidária, além de violar os princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso.
O relator, Ministro Ricardo Lewandowski, em Plenário Virtual, apresentou o seu voto concluindo que a determinação de "afastar indiscriminadamente pessoas que atuam na vida pública, seja estrutura governamental, seja no âmbito partidário ou eleitoral, da gestão das empresas estatais, constitui discriminação odiosa e injustificável", além de desarrazoada e desproporcional. Assim, declara a inconstitucionalidade da vedação de que políticos de alto escalão não possam compor o Conselho de Administração e a diretoria das estatais. O Ministro relator votou também pela inconstitucionalidade da quarentena de 36 meses.
A discussão da inconstitucionalidade desses dispositivos, na verdade, traz uma roupagem jurídica para uma discussão eminentemente política. O princípio da igualdade, princípio básico do Direito, diz, de fato, que todos devem ser tratados de maneira igual. Porém, o princípio da equidade, garantidor desse preceito tão fundamental, estabelece, precisamente, que para alcançar a igualdade, deve-se tratar desigualmente os desiguais.
Ora, os agentes políticos que estão no governo e os que recentemente tenham atuado em partidos políticos estão diretamente ligados a questões de interesse de governo ou de interesse político-partidário. É justo, portanto, que sejam tratados de maneira diferente, não como uma forma de discriminação, mas para evitar que tomem decisões que favoreçam tais interesses em prol dos da própria empresa.
Fechar brechas legais para que não haja troca de favores políticos ou interferências indevidas em razão de conveniências políticas é uma das regras da boa governança. Se o restante do Colegiado vai endossar a decisão do Ministro relator, trazendo para o Supremo Tribunal Federal o ônus de proferir uma decisão de interesse político e de efeitos deletérios para as estatais brasileiras, é o que vamos acompanhar nesses dias.
Talvez, o debate proposto não devesse ser o retrocesso de se devolver as estatais a interesses políticos, mas, discutir, ampla e abertamente, como aplicar, em prol da sociedade, os rendimentos de estatais altamente lucrativas.
*Maria Regina Reis é mestre em Democracia e Governança pela Universidade de Georgetown, consultora em anticorrupção da Transparência Internacional. Bacharel em Direito pela UnB, foi consultora legislativa da Câmara dos Deputados
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção
Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica
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